Quando
examinamos a filosofia naturista, prometemos logo tratar do "Código de Ética" da FBrN, com o mesmo rigor. Para lembrar, a conclusão sobre a "filosofia naturista" era de que a palavra "filosofia" não descrevia muito bem do que se tratava, mas era usado para motivos de
marketing: pega bem ter uma filosofia, e não somente o hábito de andar sem calças.
Para saber o que é um texto, é bom examinar o nome, que as vezes é uma pista, como "Receita de Guacamole". É bom depois ver o que o texto fala. Se não há menção de abacate, é certeiro de que, ainda que é encabeçada "Receita de Guacamole", que não é. É bom também ver de onde veio - provindo da chef de cuisine da Restaurante Rosa Mexicana, nossos expectativas são outros do que se veio de uma desconhecido.
No caso do desconhecido, poderíamos examinar outros textos da sua autoria, ou levantar um pouco mais sobre sua pessoa. Uma Lei de Proteção Ambiental é pelo nome uma coisa linda; mas se recebemos o projeto de lei do lobista da Liga de Madeireiros e Criadores de Gado, vamos ler com outros olhos.
E ainda, há textos com nomes bonitos, com propostas que parecem perfeitas, vindo de figuras idôneas, que na prática, não dá certo. Podemos imaginar gente em Teresópolis, preocupados com os pobres (ou pelo menos com seus votos) que implementaram uma política de "Moradia Própria Acessível" para abrir as ladeiras para ocupação das camadas populares. Afinal, rico gosta de proteção ambiental, mas também rico já tem onde morar, né?
E se isso parece safadeza, cinqüenta anos atrás os pensadores técnicos e modernos de São Paulo canalizaram os córregos para maior eficiência urbana, e os efeitos daquele pensamento não foram tão diferentes dos efeitos da ocupação das áreas de proteção ambiental de Teresópolis.
Nesta mesma linha, a Folha de S.Paulo de hoje traz a manchete, "Novo Código Florestal amplia risco de desastre".
Por final, há como o texto é aplicado. Vitor Hugo disse que "A lei, na sua imparcialidade majestosa, prone tanto o rico quanto o pobre de roubar pão e dormir sob viadutos". Uma mapa da distribuição da efetiva da polícia de São Paulo mostra que é concentrada não onde há mais homicídios, mas onde há mais roubos de carros. Sustenta a tese de que no Brasil a polícia não é usado para defender a lei, mas de defender os ricos contra os pobres.
Vamos olhar o "Codigo de Ética" da FBrN destes óticas, então.
Atrás dos nomes
Re-lembrando, porque algo é chamado de uma "filosofia" não comprove que é, das mesma maneira de que o fato que alguém foi preso numa "Operação Predador" quer dizer que é um. Os nomes incorretos podem ser inócuas (como "filosofia de naturismo") ou podem ser nocivos, como nestas "operações". Orwell escreveu em "1984" de um mundo em que o Ministério de Paz cuidava de guerra, e o Ministério de Verdade, de mentiras.
O escoteiros tem um "Código de Honra", a FBrN tem uma "Código de Ética". Já em si, é um nome que não permite que seja contra. Ninguém está contra ética, como ninguém quer deixar de "defender crianças". Ou, como vimos em Teresópolis, "dar aos pobres moradia própria, financeiramente e físicamente acessível."
Além de ser bom, um Código de Ética é importante. Se alguém deixou de cumprir as regras de etiqueta, pode ser que comeu a entrada com a garfo de salada. Mas alguém que violou o Código de Ética, fez algo sériamente ruim.
Vamos deixar de lado então a frase "Código de Ética", que distorce o pensamento. Falaremos da Lista de Regras: nome neutro que descreve o que é.
O que o texto diz, mesmo?
A Lista de Regras da FBrN engloba, no total, 15 regras, não todas da mesma importância. Destes, quatro podemos de imediato qualificar como simples regras sanitárias (deixando fora a segunda parte da Regra 11.7, que trataremos separadamente):
II.6 - Deixar lixo em locais inadequados.
II.7 - Provocar danos à Flora e à Fauna, ou à imagem do Naturismo.
II.8 - Satisfazer necessidades fisiológicas em áreas impróprias, ou exceder-se na ingestão de bebidas alcoólicas, causando constrangimento a outros aturistas (sic).
II.9 - Utilizar assentos de uso comum sem a devida proteção higiênica.
Não há nada de especificante naturista em nenhuma destas regras, a não ser II.9 e o fato de que praia naturista tende a ser afastada e primitiva, onde há menos cesto de lixo, e mais fauna e flora.
As regras sobre "respeitar a natureza" servem uma função mercadológico, da mesma maneira que a frase "filosofia naturista". Para quem não é naturista, andar por aí sem roupa parece bastante estranha. O apelo a "natureza", reforça a idéia de que há alguma tese maior atrás disso. Que é conveniente para marketing, mas marketing e ética são assuntos diferentes.
Temos também umas regras que parecem adequadas a qualquer lugar, onde um grupo heterogêneo de pessoas tendem a congregar, repetidamente - regras de boa convivência:
II.3 - Utilizar aparelhos sonoros em volume que possa interferir na tranqüilidade alheia, e ou desrespeitar os horários de silêncio regulamentados.
II.4 - Causar constrangimento pela prática de atitudes inadequadas.
II.5 - Portar-se de forma desrespeitosa ou discriminatória perante outros naturistas ou visitantes.
Destaco regra II.4 pois é tão vago que abrange tudo, ou nada. A não ser que uma cláusula destas é freqüente em regras de condomínios, e tem um sentido definido na prática brasileira.
No capítulo "Falta Grave", há outras regras de boa convivência:
I.2. - Praticar violência física como meio de agressão a outrem.
E há umas regras que coíbem comportamento sexual:
I.1. - Ter comportamento sexualmente ostensivo e/ou praticar atos de caráter sexual ou obscenos nas áreas públicas
II.1 - Concorrer para a discórdia por intermédio de propostas inconvenientes com conotação sexual.
Há algo específico de naturismo, que exige este regras? Tenta isso no Clube de Boliche, ou Clube de Atiradores, e vai ver que rapidez você é expulso. Ainda que, no Clube de Atiradores, outro solução pode estar à mão.
Podemos raciocinar aqui por analogia. O Clube de Atiradores, se tiver uma Lista de Regras, sem dúvida entre eles esta "Nunca transporte armas carregadas", e talvez "não porta armas ostentivamente fora da sala de treino de pontaria".
Regras que obviamente valeriam também no Clube de Boliche ou num área naturista.
O Clube de Atiradores deve atrair sua leva de loucos, que não entendem bem o propósito esportiva. Uma área naturista, também. As manias dos loucos nos dois casos são diferentes. É de esperar que os Atiradores destacam no regulamento o que vai afastar maníacos por armas, e que naturistas destacam o que vai afastar tarados.
Temos então uma categoria de regra que é bom para o geral, mas que merece ser destacado no ramo, ainda que não vale mais nem menos numa área naturista, do que em qualquer outro lugar.
Também estas regras tem sua função de marketing: sua existência, e num documento chamado "Código de Ética", é bom para apontar para gente de fora que poderia imaginar que "área de naturismo" é sinônimo para "orgia".
Relacionado há uma regra com função mercadológico semelhante:
I.4 Portar ou utilizar drogas tóxicas ilegais.
Esta regra serve a mesma utilidade que a proibição contra nudez do regulamento da Liga das Escolas de Samba. As escolas históricamente foram financiados pela contravenção, os banqueiros do jogo do bicho. Quem infringe a moralidade em um área, com freqüência compensa com um pose de rectitude moral em outros. Quando eu trabalhei no ramo (montei a loteria "raspadinha" para Nossa Caixa em São Paulo, e para o CEF nacionalmente), também evitamos ligações com bebidas, sexo, ou qualquer outra coisa divertida.
Chegamos a três regras que podem ser considerados específicas de naturismo (repetindo aquela se "sente na sua toalha"):
II.2 - Fotografar, gravar ou filmar outros naturistas, sem a permissão dos mesmos.
II.9 - Utilizar assentos de uso comum sem a devida proteção higiênica.
II.10 - Apresentar-se vestido em locais e horários exclusivos de nudismo, sendo tolerado às mulheres o topless, durante o período menstrual.
Nada especialmente exótica. Se uma área é de naturismo, pessoas se comportam numa maneira em que talvez não gostaria de der visto fora da área. Assim, a regra contra fotografia.
Voltando ao regra de toalhas, o Clube de Boliche exige sapatos adequadas, para não marcar a pista; o Clube de Golfe proíbe saltos altos no campo, pois gastam um enorme esforço de manter aquilo aveludado, e salto alto faz buracos. Exigir que alguém use uma toalha - ou não use roupa - numa área naturista, não é nada de outro mundo.
Mas também, não é uma "falta de ética" aparecer de roupa num evento naturista, como não é "falta de ética" usar salto alto no gramado. É respeitando uma regra, mas "ética" é outro assunto.
Paciência
Chegamos ao fim do espaço, ou pelo menos ao fim da paciência do autor, e a do leitor presume-se é mais curto ainda. Encontramos régras sanitárias, regras de boa convivência, regrás contra comportamento sexual público para afastar tarados, e três regras de naturismo mesmo.
Há também a regra contra uso de drogas.
Notavelmente, não encontramos aquela regra que proíbe solteiros desacompanhados.
E não encontramos nenhuma regra, de todas estas, que poderia ser bem descrita como sendo uma "regra de ética".
Sobram para considerar no próximo duas cláusulas que destacamos - o de "imagem de naturismo" e aquela de "Causar constrangimento pela prática de atitudes inadequadas" - se alguém saber o que este segunda significa, e se já foi invocada em alguma ocasião, favor comunicar comigo, pelo email ou nos comentários no blog.
Sobra também examinar a maneira em que esta regras são interpretadas, e como penas para violar-las são impostas. E sobram mais duas regras, que merecem ser examinadas com mais cuidado:
I.3. - Utilizar meios fraudulentos para obter vantagem para si ou para terceiros.
I.4. -Causar dano à imagem pública do Naturismo ou das áreas naturistas.