quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Visto para o mar x "ver navios"

O despejo da AAPP do Morro da Tartaruga deu mais uns passos desde nossa última olhada no(s) processo(s). Em termos de passos na Justiça, os donos do terreno, os Araújo, ganharam no TJ-SC e a AAPP apelou para o STJ, mas isso não suspende o despejo. Três donos de cabanas entraram com "embargos de terceiro", que suspendeu o despejo, e os Araújo já entraram com contestação destes, mas não sei o que disseram.

Mas o que é a estratégia? Enxergo quatro possíveis estratégias da AAPP e seus sócios:
  • Atrasar o despejo, ganhando mais uma verão vislumbrando a Praia do Pinho;
  • Ganhar o posse das cabanas, uma por uma, no mérito;
  • Ganhar o posse cabana por cabana, aproveitando furos na lei;
  • Usar o suposto domínio do terreno por um tal de Marcelo.
Realmente, nenhuma das quatro estratégias parecem viáveis. Vejamos.

Atraso?

O despejo já demorou quinze anos. Celso Rossi sempre foi perito nisso, fugindo de Oficial de Justiça, entrando com apelos sem mérito mas que demoraram até ser julgados, etc.

O plano dos Embargos de Terceiro parecia claro: entraram com embargos tanto contra os Araújo quando a AAPP. Os Araújo poderiam correr (como correram, já notamos que o seu Antônio foi ao Cartório ser citado) mas a AAPP poderia atrasar as coisas muito, evitando ser citada, contracenando brigas mesquinhas mas demoradas, e provocando todas as demoras típicas da Justiça.

Estranhei que entraram com os três embargos ao mesmo tempo. Ações consecutivos demorariam mais, e se um primeiro argumento for derrotado, uma segunda petição poderia tentar outro. 

Mas os embargantes, os donos de cabanas, pediram para excluir a AAPP da ação:
29/10/2012 Decisão outras
Sendo assim, promova-se a alteração do polo passivo, excluindo a Associação dos Amigos da Praia do Pinho, conforme requerido na petição mencionada, retificando-se os registros e autuação. Feito isso, cumpra-se na íntegra o despacho de fl 40, promovendo apenas a citação da Sra. Karla Lenzi de Araújo, uma vez que o Sr. Antônio Camargo de Araújo compareceu espontaneamente em Cartório e foi devidamente citado, consoante retira-se da certidão de fl. 46. Publique-se. Intime-se.
Com isso perde-se muitos das possibilidades de provocar demora. A AAPP só entraria na hora de pagar os custos e honorários, calculado sobre a valor da ação, e porém altos.


Descartaram vários possibilidades claros para atrasar o processo, então talvez estão querendo ganhar nos fatos, ou querendo se proteger em alguma fresta da lei.

Mérito? 

A AAPP ganhou na primeira instância, e o TJ-SC reverteu, determinando que a AAPP era sim sucessora da FBrN não somente na posse da área, mas na obrigação de devolver no final do comodato. Notamos aqui que o Livro de Atas da FBrN deixa isso absolutamente claro. A Justiça chegou a verdade sem o livro, mas este reforça a decisão já tomada.

Não veja, então, qualquer chance de ganhar no mérito. Os Araújo fizerem um comodato com a FBrN;  a AAPP assumiu os privilégios e obrigações da FBrN; os cabaneiros compraram os privilégios e obrigações da AAPP. A Justiça já determinou a primeira repasse, como o segundo pode ser diferente?

Fresta na lei?

Há alguma detalhe na lei que vai proteger as cabaneiros? Não sou advogado, muito menos advogado brasileiro. Soa estranho para um americano o conceito de que um casa de madeira (como estas cabanas) é uma estrutura temporária - há casas de madeira seculares nos EUA.

O terreno dos Araújo vale uma fortuna, uns R$600 mil. Dá para construir uma baita mansão lá. Porém, se for preciso aí deixar três barraquinhos temporários, já vale muito, muito menos. E a Justiça poderia ter mandado os Araújo indenizar para os "benfeitorias", mas já tomou a decisão de que não precisam. Não vejo nada que distingue as cabanas individuas das construções coletivas. 

Ainda não sendo advogado, recebei semana passada do site Consultor Jurídico:

http://www.conjur.com.br/2012-nov-16/comprador-imovel-litigio-nao-opor-embargos-terceiro
16 novembro 2012
Ônus e contrato

Comprador de imóvel litigioso não pode opor embargos

A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça reafirmou o entendimento de que a pessoa que adquire bem litigioso não possui a qualidade de terceiro e, portanto, não tem legitimidade para opor Embargos de Terceiro, buscando defender tal bem em execução movida contra quem o alienou.
O ministro Sidnei Beneti, relator do Recurso Especial, afirmou que a 3ª Turma tem entendimento no sentido de que o adquirente de qualquer imóvel pode obter certidões que mostram a situação pessoal dos alienantes, bem como do próprio imóvel e, com isso, cientificar-se da existência de eventuais demandas e ônus sobre o objeto do contrato.
O processo de reintegração de posse já tem quase 15 anos. Será que estes três cabaneiros compraram suas "concessões" mais de 15 anos atrás? Um frequentador habitual da Praia do Pinho me falou, na minha última passagem pelo pedaço, que este pessoal toda sabe que a AAPP ocupa terreno que não lhe pertence, e que cada cabana já teve mais de 20 donos: "Eles compram, aproveitem, e correm para passar para frente  

Parece, disso, que há precedente consolidada da STJ: a juíza nem precisa chegar ao mérito dos embargos. Estes três donos de cabanas não são "terceiros", e nem poderiam entrar com estes ações. Ela pode chutar os embargos, destravar a reintegração de posse, e mandar a AAPP e seus sócios vazarem.

Se eles se acham vítimas de fraude, podem processar quem lhes vendeu as "concessões".

O domínio do Marcelo? 

Já falamos do tal Marcelo, que disse que comprou o terreno, e mostrou papeis que não convencerem o juiz. Os conceitos de "domino" e "posse" são distintos no Brasil, ao ponto que há palavras específicas para quem tentar fraudar um e outro: "grileiro" e "posseiro". Ele foi derrotado; apelou; o recurso continua no gabinete da desembargadora, onde chegou faz seis semanas. Não acredito no mérito.

Fim do caminho, fim da picada

Coisa que não podem continuar para sempre, não continuam. Quando uma pessoa se livre das calça, ela não se livre de todas as outras obrigações de um membro da sociedade. A vista deslumbrante de morro, praia e mar tropical do alto do Morro da Tartaruga pode dar a impressão de estar num outro mundo. Mas não é. É preciso eventualmente cair no real, fazer as malas, e por a pé na estrada.