Por Laércio Júlio da Silva
14 de Março de 2010
Como março é considerado o mês das mulheres, é pertinente continuar no mesmo assunto. Já muito escrevi sobre a importância das mulheres no movimento naturista, sua contribuição para com o feminismo e a luta pelo resgate do seu próprio corpo. A principal delas, ideóloga e militante responsável pelo que existe na atualidade em termos de naturismo no Brasil, foi sem dúvida nenhuma Dora Vivacqua (Luz Del Fuego, 1917-1967). Mas existiu outra personalidade controvertida e escandalosa com imenso destaque nos anais do naturismo e do feminismo contemporâneo chamada Elvira Pagã. Criatura extraordinariamente inquieta, veio ao mundo para sacudir as entranhas de uma sociedade extremamente conservadora que considerava qualquer artista a “escória da humanidade...”
Nascida Elvira Olivieri Cozzolino (1920-2003) foi protagonista de um dos maiores escandalos da época. Inventora ou descobridora inusitada do biquíni brasileiro, no verão quente de 1949 em plena Avenida Rio Branco no Rio de Janeiro uma multidão delirante não tirava os olhos do carro alegórico em que ela se apresentava envolta em frutas tropicais. No destaque, como uma deusa do pecado, a Rainha do Carnaval na época, exibia um corpo maravilhoso num ousado traje de banho dourado. Depois que sua capa estilo toureiro fora arrancada pelos fãs ensandecidos, ela rasgara um maiô adaptando o modelo “duas peças” usado no teatro rebolado, lançando oficialmente o biquíni num Brasil repressor e moralista. A plebe gritava por todos os lados: “Olha a Elvira Pagã! Olha a Elvira Pagã!”. Vem dai o nome artístico.
Foi uma das primeiras artistas brasileiras a explorar o impacto do nudismo, disputando com Luz del Fuego o espaço nos noticiários escandalosos da época. Ativista cultural fez oito filmes, como O Bobo do Rei (1936), Cidade-Mulher (1936), Alô, Alô Carnaval (1936), Dominó Negro (1939), Laranja-da-China (1940), Carnaval no Fogo (1949), Aviso aos Navegantes (1950) e Écharpe de Seda (1950). Rainha do Carnaval durante muitos anos ao longo da década de 50, cantora e compositora lançou treze discos junto com sua irmã. Elvira Pagã foi uma figura emblemática e representante maior da fase do Teatro de Revista brasileiro. Escreveu alguns livros, entre eles “Revelações” e “Vida e Morte”, chegando inclusive a ocupar a cadeira de número 12 da Academia Paulista de Letras. Em 1949 ajudou a formar a “Companhia Juan Daniel”, e construiu seu próprio teatro, O Follies, cujo imóvel pertencia a Antônio Carreira. Estreou com a apresentação de espetáculos que incluíam o nudismo com a participação de Luz del Fuego.
A jornalista e professora de comunicação pela UFRGS, Doris Fagundes Haussen desenvolveu um artigo intitulado “A Revista do Rádio através de seus editoriais (década de 50)”. Nesse trabalho, ela relata um fato curioso que demonstrava uma tentativa da revista em evidenciar uma vida “famíliar” e “pasteurizada” para a vedete Elvira Pagã, adepta do nudismo que viria mais tarde a ser intitulado naturismo. Na seção da revista n° 222, “Minha casa é assim”, foram publicadas uma série de fotos da artista, vestida, mostrando a sala, o quarto e a cozinha, terminando no banheiro com a vedete enrolada em uma toalha, dentro da banheira, junto a uma bolsa de crocodilo, descrita como “para guarda de pertences de banho”. Foi a primeira mulher brasileira a fazer plástica nos seios numa época anterior a moda do silicone. Ficou conhecida por ter posado nua e distribuído a foto como cartão de Natal, sendo na época presa e acusada de “atentado ao pudor”.
A partir dos anos 70, nos moldes do conservadorismo imposto pela chamada “marcha da família”, visada e perseguida pela ditadura que se instalara no país, abandonou a rotina de evidências tornando-se reclusa. Terminou seus dias como pintora e adepta do esoterismo. Morreu aos 83 anos de idade depois de uma vida intensamente polêmica e produtiva.
Laércio Júlio da Silva é diretor da Federação Brasileira de Naturismo (FBrN) e presidente da Associação Goiana de Naturismo, o Goiasnat.
"Não ande na minha frente, eu posso não te seguir. Não ande atrás de mim, pode ser que eu não te guie. Caminhe junto a mim e seja meu amigo." Albert Camus