Fulêncio, vegetariano, faz naturismo, e gosta de surfar e acampar.
Ele segue, então, as filosofias de vegetarianismo, naturismo ... surfismo e acampismo?
Bem, mas não é que sabemos que os primeiros dois tem suas "filosofias", enquanto surfismo é um esporte, e acampar é somente um passatempo?
Mas muitos brasileiros que ganham um salário mínimo deixaram de ser vegetarianos habituais durante a presidência Lula, pois finalmente poderiam comprar "mistura" e não somente arroz e feijão. Enriquecerem a dieta, ou empobreceram a filosofia?
Os Beach Boys pregam que, "Catch a wave and you're sitting on top of the world", uma declaração filosófica clara e enxuta, mais do que qualquer um que já o ouvi de naturista. E se o naturismo tem a ver com natureza, está mais proxima a ela quem acampa de short e camiseta na Mata Atlântica ou quem está nu no Mirante aguardando o barman trazer outra cerveja?
A filosofia analítica
Para examinar mais profundamente a "filosofia naturista", vamos dar uma passada pela filosofia de verdade.
A correnteza predominante da filosofia moderna, a filosofia analítica, preocupa-se com o senso de expressões, e suas conseqüências lógicas. O sentido de frases, mais do que o sentido de palavras: uma cadeia lógica é igualmente valido sendo sobre a modismo de naturismo, ou a filosofia de surf, ou o esporte de acampar: a substituição de uma palavra de conotação mais simpática não faz um argumento de repente mais forte.
Um exemplo já dado neste blog, é a velha pegadinha "Quantas pernas um cachorro tem, de chamamos o rabo de perna?" A reposta é quatro: ainda que é chamado de perna, o rabo continua sendo um rabo.
Só porque chamamos o surfe de uma filosofia, e o naturismo de um esporte, não faz que o surfe seja por isso uma filosofia, nem que o naturismo seja, por isso, um esporte.
Igualmente, ainda que habitualmente fazemos referência à "filosofia de naturismo" não comprove só por isso que existe mesmo tal coisa. Imagine que espalhássemos pelo Internet milhões de referência ao "rabo de naturismo". Ainda que o "rabo de naturismo" fosse amplamente divulgado nem por isso ele passaria a ser minimalmente abanável.
A decepção das palavras
A filosofia analítica costuma traduzir argumentos em lógica simbólica, e ver as conseqüências dos símbolos. Tem as vantagens de que permite examinar os argumentos desnudados das conotações potentes das palavras, e exige que se examine exatamente o que argumento está afirmando.
Traduzindo para lógica simbólico o celebrada prova de Descartes da existência de Deus, verifique-se que o fulcro do argumento é o uso de dois sentido distintos da mesma palavra, como se fossem idênticos. Que não são.
A lógica desempenha para os filósofos a mesma função que a contabilidade serve para as empresas e cada vez mais para os governos: a de manter-los honestos. É pela balancete que sabemos se o presidente do conselho está falando a verdade para os acionistas, e o prefeito municipal para os eleitores.
"Predador"
As palavras são os tijolos e paus que jornalistas utilizam para construir as suas matérias. Não desconfiam da sua matéria-prima. Mais devem.
Ano passado, o delegado Juliano Brasil Ferreira
anunciou a prisão na região de Taquara de uma quadrilha pesadamente armada de 40 homens ... com cinco pistolas. Um pistola para cada oito homens não é "pesadamente armada", até porque não deixaria espaço para "levemente armada".
Só porque o delegado disse "pesadamente armada", não quer dizer que é.
Tanto na prisão de Dr. André Herdy em dezembro de 2007, e a de Nelci Rones em 2010, a polícia anunciou que aquilo era "Operação Predador". Se tivesse dado um nome neutro como "Operação Begônia", ou um que descreveu com mais clareza a finalidade da operação, como "Operação Aparecer", a cobertura teria sido diferente.
Um nome de operação é um opção de marketing. Permite que o repórter e o leitor ou espectador já sabe, num instante, do que se trata. Útil quando é correto, pior que inútil quando não é.
Céu e terra
As palavras são traiçoeiras. Bem antes da filosofia analítica (e antes do feminismo) Dr. Samuel Johnson disse que "Palavra são as filhas da Terra, e coisas são os filhos do Céu." A realidade das coisas é muita acima das palavras utilizadas para descrever-la.
Quando etiquetar é conveniente
As palavras são úteis quando queremos transmitir para alguém uma idéia de uma forma sucinta. Quando falamos de uma "estação de esqui", quem ouve já traz junto uma monte de conotações. Em termos de divulgar naturismo, é util que existe o termo "naturismo" e que seja largamente divulgada, e que a palavra traz conotações de uma prática pacata, consolidada, onde você poder trazer as filhas e a avô se quiser.
Porém, enquanto podemos transmitir uma faceta da verdade para os outros com nossas palavras, não devemos transmitir mentiras - como os delegados fizerem com a terminologia "Operação Predador". Conseguirem que os jornalistas e tele-espectadores engolissem as palavras, e não olhassem para a realidade por trás, que era bem diferente. E, ainda que simplificasse para os outros, não devemos aceitar nossas próprias palavras como substituto para a realidade.
A decepção inócua
Dizer que o naturismo é uma "filosofia" ou um "estilo de vida", em vez de um "esporte", uma "opção", uma "prática", ou uma "moda", é, no fundo, inócua. A sugestão de que há algo profundo por trás de uma prática que a grande maioria acharia estranha - como por exemplo ioga ou cooper, ambos de quais já foram bem excêntricos - é uma jogada de marketing antiga e honrada.
Mas não devemos confundir praticas habituais com "filosofia". Toda escola de samba tem uma "ala de baianas" e uma porta-bandeira e mestre-sala; é por força do regulamento, constume e estilo, ou porque a "ala de baianas", e algo que "faz parte da filosofia da samba"?
Filosofia e ética
Vimos, então, que falar da "filosofia de naturismo" é de usar um termo comum, conveniente da perspectiva mercadológico. No senso mais rígido de "filosofia", o naturismo não tem uma filosofia. Dificilmente vamos encontrar um uso da "filosofia de naturismo" e que "o estilo de vida naturista" não caberia igual, ou até melhor.
Em contraste com a decepção inócua da "filosofia naturista" - que não é uma filosofia - temos o "Codigo de Ética Naturista" - que não é um Código de Ética. Enquanto a "filosofia" é não faz mal, o "Código de Ética" é nocivo.
Mas acabou o espaço. Já falamos hoje da Filosofia sem filosofia, e na próxima trataremos da Ética sem ética.