O abuso da Justiça pela AAPP no Morro da Tartaruga preciso ser visto em perspectivo. Podemos começar com precatórios, um sistema peculiar do Brasil, em que o Estado é condenado a pagar uma dívida—e não paga durante anos, ou até décadas. Houve até várias emendas a Constituição que permitiam que os vários estados demorassem ainda mais de pagar o que devem.
Jogando com a demora da Justiça para adiar obrigações não é ilegal, nem, infelizmente, raro. Nem quando é para pagar, nem quando é para desocupar, nem quando é para soltar um inocente preso. Imoral é, sem dúvida. Uma expressão americana reza que, "Justiça adiada é justiça negada."
Porém, em tudo há um limite. Notamos em vários despachos da Justiça que a paciência chegou ao limite. Com certeza, a paciência da família Araújo passou do limite faz três décadas.
Três últimas tentativas
O despejo da AAPP do terreno dos Araújo está na Justiça desde 2002. Se me recordo, houve uma pequena vitória inicial da AAPP, seguido por duas décadas de derrotas. Em 2012, o processo foi transitado em julgado—sem mais possibilidade de ser revertido—com duas semanas dadas para desocupação voluntária.
Seguiram uma série de sete "embargos de terceiro", em que sócios da AAPP, inclusive diretores, dizerem que nada tinha a ver com a relação Araújo/AAPP e eram simples terceiros inocentes prejudicados pelo despejo.
Como o MMo. Juiz notou na última decisão publicada aqui, houve "...oposição de sete embargos de terceiro que suspenderam o cumprimento da referida ordem (Evento 72, CERT530, CERT534, CERT536, CERT539), os quais foram julgados improcedentes e transitaram em julgado."
"Em 03/10/2023 houve oposição de outro embargos de terceiro (5019173-61.2023.8.24.0005), cuja liminar foi indeferida (com decisão mantida pelo TJSC), sendo o processo julgado improcedente nesta data," disse o juiz. Claro que foi apelado, mas ele notou, isso não suspende o ordem de despejo.
É até razoável que um primeiro embargo suspende o despejo: pode ser que é realmente de um terceiro, que realmente tem razão. Um segundo, um terceiro, um quarto, pode ter razão, pois estamos tratando da casa de alguém, e há casos (como numa favela) onde tão precária que seja, é a única casa de alguém.
Mas o oitavo embargo, já negado em duas instâncias? Não era interpelado com intenção de ganhar a vitória, mas somente de ganhar o tempo.
Agravo de instrumento
A AAPP entrou com um "agravo de instrumento", um dos muitos termos brasileiro para apelação, 5082208-73.2024.8.24.0000, do último embargos remanescentes. Entraram na última hora, na tarde do dia 16, e já estão hoje "Conclusos para decisão/despacho" com o desembargador Selso de Oliveira, o mesmo relator que rejeitou os embargos, e que já tem os autos.
Enquanto isso, no processo de despejo, o sistema mostra na madrugada de hoje "Decorrido prazo - Refer. aos Eventos: 206, 207 e 208", que quer dizer, já passaram os quinze dias desde a notificação, e os Araújo já podem chamar força policial para expulsar a AAPP e reaver as suas terras, trinta anos depois que o comodato terminou.
No voto do relator em 12/09/2024,
Por derradeiro, até o momento não se observa nos autos de cumprimento de sentença nº 5000389-22.2012.8.24.0005 nenhum prazo em curso que diga com a efetiva desocupação, pela Associação Amigos da Praia do Pinho, das terras litigiosas na Praia do Pinho, em Balneário Camboriú/SC.
Nessa esteira, inviável manter os agravantes na posse do imóvel em questão e suspender o andamento da citada execução.
Será que ele mudou de ideia em três meses? Há uma mudança na situação, sim, que agora há um prazo para efetiva desocupação. Prazo que venceu hoje.
Mas há uma questão de credibilidade. Faz doze anos a Justiça mandou desocupar o Morro de Tartaruga. Até agora, nada. Se as decisões da Justiça não são cumpridas nunca, perdem a credibilidade.
O CNJ Conselho Nacional de Justiça, estabeleceu metas de celeridade. Mantém estatísticas de número de processos antigos ainda pendentes. Um processo de 2002, já transitado em julgado em 2012, e ainda não cumprido, é mais do que uma injustiça com a família Araújo e um incentivo para outros sobrecarregam a Justiça para alcançar a Demora. É uma mancha na eficiência, celeridade e seriedade do Tribunal de Justiça de Santa Catarina.
Usucapião
Já explicamos antes que os Araújo ganharam na Justiça contra Marcelo Antônio de Queiroz Urban, que se disse dono da gleba, supostamente comprado de um senhor cujo filho afirmou que ele nunca tinha terras na região. Dois sócios da AAPP, Moacir Paulo Gerloff e Joaquim de Oliveira Neto, entraram contra Queiroz Urban com USUCAPIÃO Nº 0006793-43.2013.8.24.0005/SC. E ganharam. A sentença, de 4/12/2024—menos de duas semanas atrás—afirma:
No caso, alega o requerente que exerce a posse sobre o imóvel usucapiendo de forma mansa, pacífica e ininterrupta, por prazo suficiente à aquisição da propriedade e tal alegação foi comprovada através dos documentos juntados à inaugural e depoimentos colhidos durante a audiência de instrução, inclusive por lapso temporal superior ao mínimo exigido na legislação vigente, ou seja, desde 1994. (grife nosso)
Isso é contradito pelas esforços ininterruptos dos Araújo de expulsar a AAPP desde 2002.
Encontro a sentença no site da TJ-SC (https://eproc1g.tjsc.jus.br/eproc/externo_controlador.php?acao=consulta_autenticidade_documentos, código verificador 310069108549v12 e código CRC 1bf96e96), mas por alguma falha minha não encontro o processo. Então não sei os nomes dos testemunhos, nem o que foram os documentos apresentados. Mas a situação fatídica é diferente do que srs. Gerloff e Oliveira informaram a Justiça.
Ao meu entender, mentir em juízo pode dar cana. Eis o motivo, relembrando outro caso, que a corja da Colina do Sol fez acusações para a polícia que não ousaram repetiram sob juramento.
A estrada
O despacho permitindo que o despejo finalmente procede faz menção do "projeto de lei em trâmite perante a Câmara de Vereadores local que objetiva declarar "Rua Wilson Pinheiro’ a via pública que liga a Linha de Acesso às Praias Rodesindo Pavan até o Costão o Costão da Praia do Pinho", e informa que não é com ele. Podemos encontrar o projeto no site da Camara Municipal, e uma pasta digital com documentos relacionados. Podemos ver como o projeto nasceu em 20/09/2024, inclusive com uma carta da "Associação de Moradores e Possuidores de Imóveis do Morro de Tartaruga", assinado por "Carlos Galz, Presidente, Gestão 2023/2025".
A carta do Sr. Galz inclua uma CNPJ, que o site da Receita confirma é ativa, ainda que informa que tem uma "situação especial." Google informa que "A Situação Especial de uma empresa é uma classificação atribuída pela Receita Federal quando a empresa está passando por algum tipo de problema jurídico, administrativo ou financeiro." Esta Associação foi formado em 07/03/2014. (A CNPJ da AAPP é dado como "inapta" devida a "Omissão De Declarações"; o Jornal Olho Nu informou anos atrás que é extinta.)
A pasta digital inclua ainda uma mapa de onde estão as construções da AAPP.
O site mostra como o projeto de lei morreu, em 18 de novembro de 2024, quando os vereadores presentes aprovaram com unanimidade o relatório do relator, sem discussão. Que entristece um pouco, a discussão teria sido divertido:
A presente matéria foi analisada pela comissão permanente, tendo o(a) seu relator(a) emitido seu relatório pela REJEIÇÃO, de forma verbal, em razão da decisão do Poder Judiciário do Estado de Santa Catarina prolatada nos autos do Cumprimento de Sentença nº 5000389-22.2012.8.24.005/SC, cuja cópia da decisão o relator apresentou à comissão e solicitou que seja anexada ao presente relatório.
A via política é uma via válida, veja os tentativos do finado Zé Celso de transformar em parque o terreno em volta do Teatro Oficina. Tentam transformar as terras dos Araújo em via público, sob o argumento de que os invasores estão lá trinta anos. Fingir uma interesse público quando há somente uma invasão particular, não é jogo limpo. Foi uma tentativa mesquinha de vingança.
Perderem, e presumo que se queimaram com a Câmera Municipal e o vereador que deveria ter se sentido emboscado pela sentença, e a via política é agora definitivamente fechada.
Pagando o pato
Ao que parece, o tempo da AAPP em terras emprestadas chegou ao fim. O Sr. Galz pode trocar seu título de "Presidente, Gestão 2023/2025" para "Presidente, Gestão 2023/2024."
Mas resta a fatura. A AAPP e seus vários sócios foram condenados em honorários sucumbências de centenas de milhares de reais. Eu já ouvi de advogados de Rio Grande do Sul até Ceará de que é difícil receber estes honorários, mas formalmente, estão devidos.
Dividido pelos trinta anos de ocupação e umas dez casas, é algo como mil ou dois mil reais por ano por casa, que é bastante barato. Talvez a AAPP não quer pagar esta soma módica, talvez a dissolução da AAPP e a criação da "Associação de Moradores e Possuidores de Imóveis do Morro de Tartaruga" não passou de uma tentativa de pendurar a conta.
Porém, outra expressão americana: não termina até que a gorda canta. Aguardamos a ária.
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