Traduzimos o protesto do ministro de cultura, Juca Ferreira, contra a censura pela Facebook de uma foto de um casal de índios Botocudos, com os seis da mulher a mostra. Depois, Facebook reverteu a censura, e G1 relembrou a reação do ministro:
"Se os índios não podem aparecer como são, o recado que fica é que precisam se travestir de não-indígenas para serem reconhecidos. Isso é de uma crueldade sem fim", disse nesta sexta o ministro da Cultura.
Aplaudamos a postura anti-censura do ministro. A postura física também: deu entrevista em frente à foto da Botucada, em contraste do ex-ministro de Justiça americano, John Ashcroft, que comprou cortinas para encobrir uma estátua com o seio amostra no ministério.
Censura histórica
Porém, não é tão simples. A fotografia foi postada para chamar atenção ao arquivo de fotografias históricas do Instituto Moreira Salles. Indo para o arquivo, encontramos o seguinte imagem:
Ou a foto explica o declino na população botucuda - falta de genitália - ou o ministro está defendendo de censura, um arquivo que já foi censurado. Quem duvidar que a censura vem de longa data pode examinar o scan em resolução maior na Biblioteca Nacional - examinação da legenda escrita em caneta, confirma que trata da mesma imagem física.
Censura moderna
Enquanto o ministro defende o Internet do perigo externo da censura de Facebook, estamos vulneráveis à censura doméstico. Encontramos no Jornal Olho Nu de março, esta foto:
É a mesma hipótese dos Botucutos: ou os jovens sofrem de deficiência física, ou a foto sofreu censura. O Jornal Olho Nu não costuma censurar fotos naturistas, de quem quer que seja. A lei brasileira não proíbe, e a publicação de tais fotos pela "grande imprensa" é corriqueira, como já mostramos diversas vezes, como aqui.
Que o ministro enfrenta Facebook é ótimo. Porém, o que adianta a defesa contra a censura de corporações estrangeiras, quando a censura é imposta no Brasil mesmo, pelo poder publico (ou o medo dele) dos grotões do país?
Atrás da censura
Porque esta vez, censura? É que as fotos foram tiradas na Colina do Sol, que fica no reino de Taquara. A Colina do Sol assinou um Termo de Ajuste de Conduto (TAC) com o Ministério Público de Taquara. A íntegra do TAC está no link. O essencial é:
CLÁUSULA PRIMEIRA: O compromitente assume a obrigação de não fazer, consistente em abster-se de permitir e/ou divulgar ou comercializar imagens de crianças e adolescentes nus.
O que significa isso, e o que tem a ver com a foto?
Lidando com censura, conceito importante é o "chilling effect", efeito esfriador. Quando não há uma definição claro do que é permitido e o que é proibido, e os efeitos de ultrapassar a linha são draconianos, pessoas prudentes ficam longe da linha. Não havendo nada perto da linha, esta tende a ser empurrada, para restringir mais ainda.
Direito e informática
O TAC entre o Ministério Publico de Taquara é claro? Longe disso. Veremos abaixo umas das confusões - não em o que deveria ser (assunto para outra hora) mas na tentativa de simplesmente entender o que está escrito num documento de poucas folhas.
Não sou advogado, mas sou programador de computadores, dos bons e antigos. Mais difícil do que instruir o computador do que deve fazer, é entender que merda o cliente está tentando dizer, que muitas vezes nem ele entende bem.
O TAC parece uma primeira minuta de especificação, feito pelo cliente (nenhum programador de nível escreveria uma coisa destas). Refiro meus leitores ao link acima, para conferir CLÁUSULA QUARTA, sem erros por ser inexistente, ainda que consta uma CLÁUSULA QUINTA.
Em vez de interpretar o documento, vou listar uma das perguntas que ele levanta, no contexto da foto censurada.
- O TAC proíbe "... permitir e/ou divulgar ou comercializar imagens de crianças e adolescentes nus". Quer dizer, permitir imagens é proibido pelo TAC, ainda que não fossem divulgadas.
A Colina do Sol permitiu imagens de crianças nuas?
Claro que sim. As imagens publicas são censuradas, mas foram feitas sem a censura. Então o TAC for violada. - Conforme os preliminares do TAC, seu propósito é evitar vexames:
Porém, quando adultos querem evitar que ficassem conhecidos como naturistas, para evitar vexames, Jornal Olho Nu e outros sites naturistas borram suas caras. As crianças nas fotos podem ser facilmente reconhecidas por colegas e amigos.
Considerando que configura crime submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento (artigo 232 do ECA) ...
Este borramento evitaria aborrecimentos, evite vexame ou constrangimento? - O TAC estipula multa para violações:
Mas, ainda que CLÁUSULA PRIMEIRA proibe permitir ou divulgar imagens, a multa é somente para divulgar imagens - será que a proibição de permitir imagens fica sem dentes?
CLÁUSULA TERCEIRA: O descumprimento da obrigação ajustada na CLÁUSULA PRIMEIRA sujeitará o compromitente responsável ao pagamento de multa no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por criança ou adolescente que tiver sua imagem divulgada, sem prejuízo das sanções cíveis e criminais cabíveis.
- O cálculo da multa não está claro. Se for R$ 10.000,00 por criança, depois da primeira multa, tá na faixa. Presuma-se que a pretensão é outra. Na foto acima, aparecem cinco (05) meninos. Uma olhada rápida na página sugere que um total de sete crianças nuas aparecem em uns 13 imagens - vamos por, contando cabeças, um total de umas 30 aparições: uma criança poderia estar em 5 imagens, outro em 2, etc. A multa então seria:
- R$ 70.000,00 - sete crianças fotografadas;
- R$ 130.000,00 - treze fotos de crianças nuas;
- R$ 300.000,00 - trinta instâncias de crianças nuas aparecendo em fotos; ou
- R$ Zero - o Ministério Publico vai fechar os olhos.