quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Gracias a la vida de Mercedes Sosa

Por Laércio Júlio da Silva

22/10/2009


A voz e o carisma de Mercedes Sosa impactaram a vida de várias gerações que sonham ainda hoje com uma América Latina unida e forte em suas tradições e alegrias vindas de um povo mestiço e que, esperamos um dia, seja extremamente altivo. “Duerme, duerme negrito...” ainda há de ninar por muito tempo a esperança dos que não conheceram sua obra e aos que futuramente se alegrarão com a voz maravilhosa de “La Negra”, como era carinhosamente conhecida na Argentina. Sua morte, no último dia quatro, rendeu manifestações de apreço e pesar que vão de Shimon Perez, Cristina Kirchner, Hugo Chaves até o mais humilde trabalhador. Pessoalmente, não poderia deixar de ocupar esse espaço “volvendo a los 17 después de vivir um siglo...”, deliciosa idade na minha juventude em que comecei a admirar a cantora que “sólo le pido a Dios, que el dolor no me sea indiferente, que la reseca muerte no me encuentre, vacío y solo sin haber hecho lo suficiente”, sendo assim definitivamente a vida de Mercedes não foi em vão e serviu para acalentar a todos que amam a liberdade. “Hermano dame tu mano vamos juntos a buscar una cosa pequeñita que se llama libertad...” Intérprete de grandes compositores como Violeta Parra, Sylvio Rodrigues e Pablo Milanes, presença constante no Brasil, gravou com Milton Nascimento, Beth Carvalho, Fagner e outros. Era fã de carteirinha da poesia de Vinicius de Moraes. De personalidade engajada, conceituava a importância do artista como força cultural e política na defesa dos interesses das classes menos favorecidas. Nos anos 70, ouvir Mercedes Sosa em nosso país era para poucos. Sem a internet para ajudar seu fã clube, em geral a musicalidade latino americana na época se resumia a uns poucos discos de vinil liberados pelos censores e outros que vinham escondidos do exterior, trazidos na bagagem por algum sortudo admirador. Rádio nem pensar... os ouvidos dos incautos ouvintes eram inundados com lixo estrangeiro alienante que propositalmente encobriam a magnífica efervescência musical da América Latina, incluindo aí também os músicos brasileiros mais talentosos.

Quando eu era ainda menino e o nosso atual presidente, então um sindicalista prestes a ser cassado pelo regime militar, “La Negra” esteve aqui para soltar seu grito de indignação. Numa de suas primeiras apresentações no Brasil, lá estava eu junto com outros companheiros em frente ao Ginásio do Ibirapuera em São Paulo, arrecadando donativos para a manutenção da primeira grande greve de metalúrgicos do ABC que, naquela época, desafiava a repressão do sistema. A ditadura agonizava, mas ainda sofríamos grande represamento de informações, vinda da censura aos meios de comunicação que simplesmente ignoravam toda a movimentação cultural que vinha dos nossos irmão da América Latina. Por essa razão, pouco conhecíamos da fisionomia marcante de Mercedes. Me lembro que naquele momento, entre a venda de cartazes do “Che” e bônus da greve com objetivo de arrecadar dinheiro para a sobrevivência das famílias dos metalúrgicos, uma silhueta avantajada de mulher veio ao nosso encontro perguntando sobre os objetivos da campanha, sacando algum dinheiro brasileiro que ainda lhe restava nos bolsos para contribuir com o movimento. Indagando em espanhol, para espanto geral, percebemos tratar-se da “própria” em vida, que assim passou inesquecíveis momentos em nossa companhia, quase se passando por desconhecida do grande público que passava ao lado. Percebendo que ali se encontravam trabalhadores e estudantes que não tinham a mínima condição financeira para comprar um ingresso sequer, ao se aproximar do horário do início do show, convidou a todos que estavam ali para assistí-la no palco. Para os que presenciaram, foi um momento mágico e sempre lembrado na vida de cada um, já que ficamos na primeira fila a convite e com o manifesto carinho da maior entre as divas da música latina.

“Todas las voces, todas las manos, toda la sangre puede ser canción en el viento. Canta conmigo, canta hermano americano, libera tu esperanza con un grito en la voz!” Graças à vida que nos trouxe Mercedes Sosa!


Laércio Júlio da Silva é diretor da Federação Brasileira de Naturismo (FBrN) e presidente da Associação Goiana de Naturismo – Goiasnat

www.goiasnat.com.br



"Não ande na minha frente, eu posso não te seguir. Não ande atrás de mim, pode ser que eu não te guie. Caminhe junto a mim e seja meu amigo."   Albert Camus

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