domingo, 20 de março de 2011

A utopia do naturismo

As utopias não são para ser realizadas, mas para denunciar o real. Uma utopia do naturismo é a sua relação com a natureza. Outra utopia é a honestidade, a camaradagem. A relação é extensa. O meu comentário é dirigido ao pedido de desligamento de uma pessoa da lista porque foi veiculada uma mensagem de um movimento dos atingidos pela barragem de Jirau, em Rondônia. Houve quebra-quebra n o canteiro de obras, atos que devemos condenar. No entanto, este quebra-quebra é conseqüência de deslocamentos de populações atingidas pela barragem, portanto é uma questão que envolve problemas ambientais.

Como comentei acima, uma das utopias do naturismo é a sua sensibilidade com as questões ambientais. Uma sensibilidade que não existe no mundo real. E daí a denúncia.

Por vezes eu leio coisas nestas listas que me assustam pela falta de sensibilidade. Claro que a falta de sensibilidade é muito presente no naturismo, como é a discriminação contra homens solteiros e agora com a ameaça (que já está se tornando um fato) da proibição de crianças no naturismo. Mas isto tem sido discutido. No caso deste pedido de saída da lista por uma pretensa colocação gramsciana que eu não vi (eu acho que sou ingênuo!...), e que discutir questões ambientais numa lista de naturismo... faça-me o favor!

Eu utilizo listas de discussões desde o seu início. Comecei num centro de estudos de sexualidade, ao qual pertencia, e depois comecei a utilizar como uma forma de manter contato com alunos. Obrigava-os a usar. Havia me aposentado de uma universidade pública e quando passei para uma particular era a forma de não me distanciar dos alunos.

As listas têm uma particularidade da qual as pessoas ainda não se acostumaram: as nossas palavras são escritas e as nossas ideias são gravadas. Não são, como se costuma dizer, “palavras ao vento”.

Quem diz o que quer ouve o que não quer. Ou, quem escreve o que quer lê o que não quer. Portanto quando escrevemos algo teremos que nos responsabilizar por aquilo, pelas nossas ideias. Isto nos choca porque não temos esta responsabilidade com a palavra falada. Deveríamos ter. Mas não temos.

Quando a palavra é escrita o outro fica evidente. Está registrado um pensamento. Muitas vezes contrários aos nossos. A primeira coisa em que se pensa é censurar porque não concordamos. Somos egocêntricos. Colocamos para fora um autoritarismo quase sempre exacerbado principalmente quando imaginamos que o escrito se refere a posições políticas, religiosas, etc., com as quais não concordamos. Nosso desejo é ficar a conversar com os nossos umbigos. O nosso umbigo não nos contesta.

Quem vive em sociedade deve imaginar a sua heterogeneidade. Por menor que seja a comunidade existem homens, mulheres, solteiros, casados, de diferentes classes etárias, todos com experiências de vida diferentes, tornando o diálogo conflituosos no sentido de troca de ideias. Nenhum dos seus membros é totalidade. Os nossos desejos, as nossas formas de pensar, terão que ser “negociadas” com os nossos interlocutores. Em outras palavras, teremos que conhecer o outro.

A lista é sobre naturismo. Naturismo não é somente nudez social. Falar sobre naturismo não só falar de encontros em volta de uma churrasqueira. É falar de gente, falar de gente com visões de mundo num mundo maior. E falar em mundo é falar como interagimos com o mundo social e com o mundo físico nos quais vivemos. Que é o mundo de todos.

Não quero falar das questões ideológicas e dos mitos que envolvem o ambientalismo, mas algo que fica fora das discussões: as transformações que uma barragem para uma hidroelétrica provoca no meio ambiente. O bioma modifica. Traz transformações à fauna e à flora. E desloca populações. Perdem território.

Território é um espaço físico no qual os nossos limites é o espaço social. Onde nos relacionamos com outras populações e com o meio. Quando trabalhei na Amazônia, na década de setenta, quase todos os migrantes eram evadidos das represas construídas no Paraná, em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul. Também eram os evadidos do Paraná quando houve a erradicação do café e da pulverização do sistema de colonato no Sul (os imigrantes receberam lotes quando da chegada no Brasil, as famílias cresceram e a terra tornou-se pequena para a subsistência de todos).

Incomoda-me muito o elogio exaltado à militância. Questões pessoais. Militância não é causa, mas consequência de algo. E quase sempre estes movimentos resultam de falta de planejamento.

Os movimentos ambientalistas estão impregnados de ideias religiosas e as unidades de conservação são como a tentativa de retorno ao “paraíso perdido”; a reconstrução do mundo selvagem. Mas é mundo real para quem vive lá, talvez há milênios, no caso dos indígenas.

No caso de Monte Belo há três níveis de conflito. (1) Os representantes governamentais preocupados com planejamento energético. O modelo de planejamento estatal brasileiro é do tempo do regime militar inspirado no polonês por ser autoritário; (2) as questões ambientais, o bioma e (3) as populações tradicionais.

Mexe com a vida e com a relação com o mundo destas populações tradicionais.

Portanto, classificar um grupo de militância com chavões não resolve. É colocar para fora o nosso egocentrismo autoritário (a redundância é proposital).

Os naturistas têm menos direito de fazer isto porque é um grupo discriminado em face dos seus propósitos de nudez social. Deverá ter a sensibilidade suficiente para sentir estes problemas.

Um comentário:

NATURISMO AMAZONENSE disse...

Excelente texto, parabéns ao autor, num texto claro e objetivo, sobre esta questão sempre atual, e preocupado com o que ocorre no jirau, preocupação humanitária mesmo! Por coincidência estava proseando ontem no Teatro Amazonas com uma das lideranças deste movimento dos trabalhadores, e os relatos são assombrosos sobre o que ocorre neste momento com os trabalhadores. Pertinente e urgente o texto do professor. Parabéns novamente.