sexta-feira, 19 de março de 2010

A nudez tratada por Glauco


Glauco Vilas Boas foi responsável por boas risadas dos leitores da Folha de São Paulo dos anos 80 até hoje. Na minha adolescência o cartunista fez parte do euforismo que se seguiu ao questionamento do Brasil pós ditadura em uma sociedade sedenta por liberdade de expressão. Foi neuroticamente assassinado por um sujeito que se achava Jesus Cristo na madrugada daquela sexta-feira fatídica, dia 12/03, pouco depois da meia-noite, na fazenda onde morava em Osasco na Grande São Paulo. Os tiros fatais atingiram também o seu filho, Raoni, de 25 anos. O assassino, uma espécie de “Zé do Apocalipse” às avessas, numa alusão ao personagem de história em quadrinhos criado por Glauco, encontra-se preso.
O cartunista ajudou a redefinir o humor brasileiro no período que se seguiu a chamada abertura política, época em que as liberdades eram postas à prova desafiando a censura que já se encontrava agonizante. Glauco, com sua criação mais conhecida, o Geraldão, personagem que no início andava pela casa com uma cueca de elástico capenga, aos poucos foi se mostrado completamente nu com a genitália exposta, como ficou a partir daí conhecido. Nudez tratada por seu criador como cura, já que o Geraldão se sentia muito bem nesse estado, tentando se livrar das neuras cotidianas.
Sucessor do humor politicamente engajado de Henfil e outros, Glauco acendia a polêmica sobre as manifestações da vida contemporânea interpretadas por personagens que atestavam a neurose provocada pela sociedade de consumo. A principal criação de Glauco é um consumidor inconseqüentemente inveterado de 30 anos, solteiro que mora com a mãe possessiva, cheio de fantasias sexuais, bonecas infláveis e continua virgem até hoje. Geraldão é o estereótipo urbano que bebe, fuma muito, vive atacando a geladeira se alimentando mal, é hipocondríaco e toma todos os remédios e fórmulas que vê pela frente, infernizando a vida das pessoas.
O Casal Neuras, outro personagem criado em 1984, é protagonizado por uma esposa que não é mais submissa ao machismo e por um marido com pose de liberal, mas que morre de ciúmes dela. O Neurinha é um sujeito que fez a revolução sexual e hoje se depara agonizado com a postura liberal das mulheres. Já a Neurinha desafia a repressão machista e faz o que dá na cabeça em provocação. O personagem abre questão sobre uma sociedade não tão liberal como deseja aparentar... Os atores criados por Glauco podem ser facilmente identificados em nosso dia a dia.
Representando um marco, o personagem Geraldão foi a primeira vez que um protagonista de tiras cômicas brasileiras passou a ser representado sem roupa com tudo exposto e sem tarjas, maneira provocadora de testar a liberdade democrática que se instalara a pouco tempo no país. O caso é histórico e precisa ser lembrado em futuras obras que se proponham a explicar a trajetória das histórias em quadrinhos no Brasil.
As investigações sobre o suspeito do crime irão rechear ainda por muito tempo o noticiário policial como já vem ocorrendo, e é de se esperar também pautas sobre o entorno das mortes: drogas, comportamentos ensandecidos e rituais de alguns cultos religiosos.
Especialista em neuras que atacam o imaginário das pessoas, o cartunista e seu filho podem ter sido vítimas de uma espécie de personagem “glauconiano” ensandecido.

Laércio Júlio da Silva é diretor da Federação Brasileira de Naturismo (FBrN) e presidente da Associação Goiana de Naturismo, o Goiasnat




"Não ande na minha frente, eu posso não te seguir. Não ande atrás de mim, pode ser que eu não te guie. Caminhe junto a mim e seja meu amigo." Albert Camus

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